Feminicídio: a faceta final do machismo no Brasil
Fonte:Politize.
Feminicídio é uma palavra nova para uma prática antiga, uma vez que mulheres morrem de formas trágicas todos os dias no Brasil: são espancadas, estranguladas, agredidas brutalmente até o momento em que perdem a vida. A palavra feminicídio passou a ser usada para designar um crime no Brasil a partir de 2015, pois existe nele uma particularidade. Vamos falar sobre feminicídio?
O que é feminicídio?
Feminicídio é uma palavra que define o homicídio de mulheres como crime hediondo quando envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher e violência doméstica e familiar. A lei define feminicídio como “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino” e a pena prevista para o homicídio qualificado é de reclusão de 12 a 30 anos.
Por que a palavra feminicídio é importante?
“Trata-se de um crime de ódio. O conceito surgiu na década de 1970 com o fim de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, que, em sua forma mais aguda, culmina na morte. Essa forma de assassinato não constitui um evento isolado e nem repentino ou inesperado; ao contrário, faz parte de um processo contínuo de violências, cujas raízes misóginas caracterizam o uso de violência extrema. Inclui uma vasta gama de abusos, desde verbais, físicos e sexuais, como o estupro, e diversas formas de mutilação e de barbárie.”
Eleonora Menicucci, ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República)
Um terço dos homicídios de mulheres no mundo – 35% – são cometidos por seus companheiros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, enquanto 5% dos assassinatos de homens são cometidos por suas parceiras. A projeção da Organização das Nações Unidas é que 70% de todas as mulheres no mundo já sofreram ou irão sofrer algum tipo de violência em algum momento de suas vidas. Em 2016, um terço das mulheres no Brasil – 29% – relataram ter sofrido algum tipo de violência. Delas, apenas 11% procuraram uma delegacia da mulher e em 43% dos casos a agressão mais grave foi no domicílio.
Esses são alguns dados de muitos outros – sobre os quais falaremos adiante – e que ilustram pontos-chave para entendermos a diferença entre feminicídio e homicídio de mulheres.
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O principal motivo para o uso da palavra feminicídio é de que o crime é diferente por si só, por ser um crime de discriminação, cometido contra uma mulher pelo fato de ela ser mulher. Essa discriminação provém no machismo e do patriarcado, que são maneiras culturais de a sociedade colocar a mulher num lugar de inferioridade, submissão e subserviência; de acordo com essa lente, a autoridade máxima é exercida pelo homem e automaticamente a mulher se torna um ser desimportante, que deve dedicar sua vida à servir (principalmente os homens).
Por vezes, mulheres sofrem diversos tipos de violência de gênero – sexual, psicológica, moral, física, doméstica – até que lhe seja tirada a vida. Esse foi o caso de Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, assassinada em 2008 após ser mantida refém por mais de 100 horas pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves. A existência dessas formas de violência na vida de tantas mulheres chama a nossa atenção para o fato de que o feminicídio pode ser evitado, por muitas vezes ser o ápice de um processo de violência contínua e que muitas vezes está dentro de casa.
A tipificação do feminicídio como crime de gênero se faz necessária por estar diretamente ligado à violência de gênero e por ser um crime passível de ser evitado – principalmente às vítimas de violência doméstica, que podem ter suporte e seus agressores punidos conforme prevê a lei. De acordo com o Atlas da Violência e outros relatórios, “os dados apresentados [sobre violência contra a mulher e feminicídio] revelam um quadro grave, e indicam também que muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas. Em inúmeros casos, até chegar a ser vítima de uma violência fatal, essa mulher é vítima de uma série de outras violências de gênero, como bem especifica a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). A violência psicológica, patrimonial, física ou sexual, em um movimento de agravamento crescente, muitas vezes, antecede o desfecho fatal.”
Leia mais sobre violência contra a mulher neste conteúdo do Politize!
O que é a Lei do Feminicídio?
O artigo 121, que define homicídio no Código Penal, foi alterado e teve o feminicídio incluso como um tipo penal qualificador – como um agravante ao crime. A condição do feminicídio como uma circunstância qualificadora do homicídio o inclui na lista de crimes hediondos, cujo termo hediondo é usado para caracterizar crimes que são encarados de maneira ainda mais negativa pelo Estado e tem um quê ainda mais cruel do que os demais. Por isso, têm penas mais duras. Latrocínio, estupro e genocídio são exemplos de crimes hediondos – assim como o feminicídio.
Há circunstâncias em que a pena do feminicídio pode ser aumentada em 1/3. Se a pessoa for condenada a 15 anos de prisão e a situação do crime se encaixar em um dos motivos abaixo, terá mais 1/3 da pena acrescida ao tempo de reclusão, totalizando 20 anos de prisão. As situações agravantes são quando o feminicídio é realizado:
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Durante a gestação ou nos três primeiros meses posteriores ao parto;
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Contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos de idade;
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Contra uma mulher com deficiência;
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Na presença de ascendentes ou descendentes da vítima – exemplos de parentes ascendentes podem ser os pais e avós, já os descendentes podem ser filhos, netos e assim por diante.
É importante salientar que o feminicídio não define o assassinato de todas as mulheres que morrem dessa maneira: uma mulher que foi morta após um roubo, por exemplo, sofreu o crime de latrocínio; já uma mulher que sofria ameaças de um ex-companheiro e depois foi morta por ele, é uma vítima de feminicídio, pois o caso envolveu discriminação à condição de mulher.
As Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres foi um documento feito pela ONU para Mulheres Brasil e a então Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República em 2016. Com ele, busca-se melhorar a inserção do conceito de feminicídio e qualificar a investigação policial, o processo judicial e o julgamento desses crimes.
Como surgiu a Lei do Feminicídio?
“O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante.”
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013)
Essas foram as diretrizes que resultaram na formulação da Lei do Feminicídio, lei nº 13.104, que entrou em vigor em 2015. Uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito foi formada para tratar da violência contra a mulher no país, investigar qual era a situação nos estados brasileiros e tomar providências sobre. O processo durou de março de 2012 a julho de 2013, quando foram percebidas as relações diretas entre crime de gênero e feminicídio. Leia o relatório do Senado Federal aqui.
Como é o panorama de feminicídio no Brasil?
“A violência contra mulheres é uma construção social, resultado da desigualdade de força nas relações de poder entre homens e mulheres. É criada nas relações sociais e reproduzida pela sociedade”.
Nadine Gasman, porta-voz da ONU mulheres no Brasil.
O panorama de feminicídio no Brasil é grave: a cada dia, 13 mulheres são assassinadas no Brasil. Há diversas pesquisas, relatórios e estudos que mostram esse comportamento sistêmico não só no Brasil, mas no mundo.
O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídios no mundo: 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres – de acordo com a Organização Mundial da Saúde. O Mapa da Violência de 2015 que trata sobre o homicídio de mulheres mostra que 106.093 mulheres foram assassinadas entre 1980 e 2013, sendo 4.762 só em 2013. Em 2015 o número diminuiu, mas pouco: 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, contabilizando 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres, de acordo com o Atlas da Violência de 2017.
A pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017 sobre a violência contra a mulher indica em 29% das entrevistadas afirmou ter sofrido algum tipo de violência no último ano. Outra pesquisa sobre violência doméstica e violência contra a mulher, feita pelo DataSenado desde 2005, apresenta outros dados na sua edição de 2017: o percentual de entrevistadas que declararam ter sofrido violência se manteve constante nesse período, entre 15% e 19%. Aumentou o número de mulheres que declaram ter sofrido algum tipo de violência doméstica: o percentual passou de 18%, em 2015, para 29%, em 2017. E os tipos de violência sofridas são:
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67% das entrevistadas disseram já ter sofrido agressão física;
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47% delas sofreu violência psicológica;
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36% delas foram vítimas de violência moral;
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15% sofreram violência sexual.